FETICHES, ENCANTOS E MAGIAS - Parte II
O LIVRO DE URANTIA – pág. 967 - DOCUMENTO
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3. O TOTEMISMO
O fetichismo impregnou todos os
cultos primitivos, desde a crença primitiva em pedras sagradas, passando pela
idolatria, pelo canibalismo e pelo culto à natureza, até o totemismo.
O totemismo é uma combinação de
observâncias sociais e religiosas. Originalmente, pensou-se que o respeito pelo
animal totem de suposta origem biológica assegurava o suprimento de alimento.
Os totens eram ao mesmo tempo símbolos do grupo e do seu deus. Esse deus era o
clã personificado. O totemismo foi uma fase de tentativa de socialização da
religião, que, ao contrário, é pessoal. O totem finalmente evoluiu,
transformando-se na bandeira, ou no símbolo nacional dos vários povos modernos.
Uma bolsa fetiche, uma bolsa de
medicamentos, era uma sacola contendo um sortimento respeitável de artigos
impregnados pelos fantasmas, e o curandeiro de outrora nunca permitia que a sua
bolsa, o símbolo do seu poder, tocasse o chão. Os povos civilizados no século
vinte cuidam para que as suas bandeiras, emblemas da consciência nacional, do
mesmo modo, nunca toquem o chão.
As insígnias dos cargos sacerdotais e
reais foram finalmente encaradas como fetiches, e o fetiche do estado supremo
passou por muitos estágios de desenvolvimento, dos clãs para as tribos, de
suseranias a soberanias, de totens a bandeiras. Os reis fetiches têm reinado
por “direito divino”, e muitas outras formas de governo têm prevalecido. Os
homens também fizeram da democracia um fetiche, a exaltação e a adoração das
idéias do homem comum coletivamente chamadas de “opinião pública”. A opinião de
um homem, quando tomada isoladamente em si mesma, não é considerada como tendo
muito valor, mas, quando muitos homens funcionam coletivamente como uma
democracia, esse mesmo julgamento medíocre é tomado como sendo o árbitro da
justiça e o padrão de retidão.
4. A MAGIA
O homem civilizado enfrenta os
problemas do meio ambiente real mediante a sua ciência; o homem selvagem tentou
resolver os problemas reais de um meio-ambiente-fantasma-ilusório por meio da
magia. A magia era a técnica de manipulação de um meio ambiente espiritual
conjecturado cujas maquinações explicavam constantemente o inexplicável; era a
arte de obter a cooperação espiritual voluntária e de forçar a ajuda espiritual
involuntária por meio do uso de fetiches ou de outros espíritos mais poderosos.
O objetivo da magia, da feitiçaria e
da necromancia era duplo:
1. Assegurar uma visão sobre o
futuro.
2. Influenciar favoravelmente o meio
ambiente.
Os objetivos da ciência são idênticos
aos da magia. A humanidade está progredindo da magia para a ciência, não por
meio da meditação e do raciocínio, mas, sim, por intermédio de uma experiência
longa, gradual e dolorosa. O homem avança gradativamente até a verdade, com
recuos, começando pelo erro, progredindo no erro, e finalmente alcançando o
limiar da verdade. Apenas com o advento do método científico ele voltou o seu
olhar para a frente. Contudo, o homem primitivo tinha de experimentar ou
perecer.
A fascinação da superstição primitiva
foi mãe da curiosidade científica posterior. Havia uma emoção dinâmica
progressiva – medo mais curiosidade – nessas
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superstições primitivas; havia uma
força motriz progressiva na magia de outrora. Essas superstições representavam
a emergência do desejo humano de conhecer e de controlar o meio ambiente
planetário.
A magia ganhou um forte domínio sobre
o selvagem, porque não podia compreender o conceito da morte natural. A idéia
posterior de um pecado original em muito ajudou a enfraquecer a força da magia
sobre a raça, porque ela explicava a morte natural. Numa certa época, não era
de todo incomum que dez pessoas inocentes fossem condenadas a morrer pela sua
suposta responsabilidade por uma morte natural. Essa é uma razão pela qual as
populações dos antigos não aumentavam mais depressa, e isso ainda é verdadeiro
para algumas tribos africanas. O indivíduo acusado, em geral, confessava culpa,
ainda que tivesse de enfrentar a morte.

A magia é natural para um selvagem.
Ele crê que um inimigo pode, de fato, ser morto pela prática da feitiçaria, com
uma mecha do seu cabelo ou com lascas das suas unhas. A fatalidade das mordidas
de cobras era atribuída à magia do feiticeiro. A dificuldade de combater a
magia vem do fato de que o medo pode matar. Os povos primitivos temiam tanto a
magia, que ela de fato matava; e tais resultados eram suficientes para
consubstanciar essa crença errônea. No caso de fracasso, havia sempre alguma
explicação plausível; a cura para a magia imperfeita era mais magia ainda.
5. OS AMULETOS MÁGICOS
Posto que tudo o que se relacionava
ao corpo podia tornar-se um fetiche, a magia mais primitiva tinha a ver com o
cabelo e com as unhas. O segredo que cercava as secreções corporais nasceu do
temor de que um inimigo pudesse apossar-se de algo que se derivasse do corpo e
empregar aquilo negativamente em uma magia; toda excreção do corpo era,
portanto, cuidadosamente enterrada. Abstinha-se de cuspir em público, em vista
do medo de que a saliva pudesse ser usada na magia deletéria; o cuspe era
sempre coberto. Mesmo as sobras de comida, de roupa e de ornamentos poderiam
transformar-se em instrumentos para a magia. O selvagem nunca deixava nenhum
remanescente da sua refeição à mesa. E tudo isso era feito por medo de que os
inimigos pudessem usar essas coisas em ritos de magia, não por qualquer
apreciação do valor higiênico de tais práticas.

Os amuletos mágicos eram preparados
com uma grande variedade de coisas: carne humana, garras de tigre, dentes de
crocodilo, sementes de plantas venenosas, veneno de cobra e cabelo humano. Os
ossos dos mortos eram muito mágicos. Mesmo o pó das pegadas podia ser usado na
magia. Os antigos eram grandes crentes nos amuletos de amor. O sangue e todas
as formas de secreções do corpo eram capazes de assegurar a influência mágica
do amor.
As imagens eram consideradas como
sendo eficazes na magia. Efígies eram feitas, e, quando tratadas, bem ou mal,
acreditava-se que os mesmos efeitos recaíam sobre a pessoa real. Quando faziam
compras, pessoas supersticiosas mastigavam um pedaço de madeira dura com o fito
de amaciar o coração do vendedor.
O leite de uma vaca negra era
altamente mágico; e também os gatos negros. Eram mágicos os cetros e as
varinhas, e também os tambores, os sinos e os nós. Todos os objetos antigos
eram amuletos mágicos. As práticas de uma civilização nova ou mais elevada eram
vistas desfavoravelmente, em vista da sua suposta natureza de magia maligna.
Durante muito tempo, assim foram consideradas a escrita, a imprensa, as imagens
e os retratos.
O homem primitivo acreditava que os
nomes deviam ser tratados com respeito, especialmente os nomes dos deuses. O
nome era considerado como uma entidade, uma influência distinta da
personalidade física; era tido na mesma estima que a alma e a sombra. Os nomes
eram empenhados para se obter empréstimos; um homem não podia usar o seu nome
até que este fosse redimido com o pagamento de um empréstimo. Atualmente,
assina-se o próprio nome em uma nota de débito. O nome de um indivíduo logo se
tornou importante para a magia. O selvagem tinha dois nomes; Pág. 972 o nome importante era considerado
como sagrado demais para ser usado em ocasiões ordinárias, o segundo nome,
conseqüentemente, era o nome de todo-dia – um apelido. Ele nunca dizia o seu
verdadeiro nome a estranhos. Qualquer experiência de natureza inusitada
levava-o a mudar o seu nome; algumas vezes, isso era feito em um esforço para
curar doenças e para dar fim à má sorte. O selvagem podia conseguir um novo
nome, comprando-o do chefe tribal; os homens ainda investem em títulos e
diplomas. Contudo, entre as tribos mais primitivas, tais como os bosquímanos da
África, os nomes individuais não existem.
6. A PRÁTICA DA MAGIA
A magia foi praticada com o uso de
varas, de rituais de “medicamentos” e de encantamentos, e era costumeiro ao
praticante trabalhar despido. Entre os magos primitivos, o número de mulheres
era maior do que de homens. Na magia, a palavra “medicina” significa mistério,
não tratamento. O selvagem nunca curava a si próprio; ele nunca usava
medicamentos a não ser a conselho dos especialistas em magia. E os curandeiros
vudus do século vinte são tipicamente como os magos de outrora.
Havia tanto um lado público quanto um
lado privado da magia. Aquela que era executada pelos curandeiros, xamãs, ou
sacerdotes era, supunha-se, para o bem de toda a tribo. As feiticeiras, bruxos
e magos exerciam a magia privada, pessoal e egoísta, que era empregada como um
método coercitivo para trazer o mal aos inimigos. O conceito do espiritismo
dual, segundo o qual há bons e maus espíritos, deu origem às crenças
posteriores na magia branca e na magia negra. Com a evolução da religião, a
magia passou a ser um termo aplicado a operações espirituais feitas fora do
próprio culto e também se referia a crenças mais antigas nos fantasmas.
A combinação de palavras, num ritual
de cantos e encantamentos, era altamente mágica. Alguns encantamentos
primitivos finalmente evoluíram, transformando-se em orações. Em seguida, a
magia imitativa era praticada; as orações eram representadas; as danças mágicas
nada mais eram do que orações dramatizadas. A prece gradualmente substituiu a
magia como associada ao sacrifício.
A expressão gestual, sendo mais
antiga do que a fala, era mais santa e mágica, e creditava-se à mímica um forte
poder mágico. Os homens vermelhos freqüentemente encenavam uma dança de
búfalos, na qual um deles faria o papel de um búfalo, e, ao ser capturado,
asseguraria o êxito da caçada que viria. As festividades sexuais do Primeiro de
Maio eram simplesmente uma magia imitativa, um apelo sugestivo às paixões
sexuais do mundo das plantas. A boneca foi empregada pela primeira vez como um
talismã mágico pela esposa estéril.
A magia foi um ramo da árvore
religiosa evolucionária que, finalmente, teve como fruto uma era científica. A
crença na astrologia levou ao desenvolvimento da astronomia; a crença em uma
pedra filosofal levou à mestria com os metais, enquanto a crença em números
mágicos fundamentou a ciência da matemática.
No entanto, um mundo tão repleto de
encantamentos muito fez para destruir toda a ambição e a iniciativa pessoal. Os
frutos do trabalho extra ou da diligência eram vistos como se fossem mágicos.
Se um homem tinha mais grãos no seu campo do que o seu vizinho, ele podia ser
levado diante do cacique e acusado de haver atraído esses grãos a mais do campo
do vizinho indolente. De fato, nos dias da barbárie, era perigoso saber muito;
havia sempre uma possibilidade de ser executado como um mago negro.
Gradualmente, a ciência está
retirando da vida o elemento do risco. Todavia, se os métodos modernos de
educação falharem, haverá quase imediatamente uma reversão de volta às crenças
primitivas na magia. Essas superstições ainda perambulam pelas mentes de muitos
dos chamados povos civilizados. Os idiomas contêm muitas expressões fossilizadas, Pág. 973 - palavras que atestam que a raça desde
muito tempo tem estado imersa na superstição da magia, tais como: enfeitiçado,
de má-estrela, possessão, inspiração, tirar o espírito, ingenuidade, êxtase,
pasmo e assombrado. E seres humanos inteligentes ainda acreditam em boa sorte,
em mau olhado e em astrologia.

A magia antiga foi o casulo da
ciência moderna, indispensável na sua época, no entanto agora em nada mais é
útil. E assim os fantasmas da superstição ignorante agitaram as mentes
primitivas dos homens, até que os conceitos da ciência pudessem nascer. Hoje,
Urântia está no alvorecer da sua evolução intelectual. Metade do mundo está
tentando avidamente alcançar a luz da verdade e os fatos das descobertas
científicas, enquanto a outra metade está languidamente jogada nos braços da
superstição antiga e de uma magia disfarçada apenas de um modo tênue.
[Apresentado por um Brilhante Estrela
Vespertino de Nébadon.]